A Encomendação das
Almas, de João Aguiar
Num mundo rural em
decomposição acelerada, minado pela poluição física e mental, pelos media e
pelas arremetidas da "Aldeia Global", um homem de setenta anos e um
adolescente aliam-se para construir um pequeno universo privado, fantástico,
parado no tempo, onde vivem os velhos ritos e as superstições do passado.
Porém, esse universo,
frágil e vulnerável, não poderá resistir durante muito tempo à sociedade hostil
que o cerca. Então, é preciso encontrar uma saída...
História de uma amizade
e de uma revolta, A Encomendação das Almas é também um retrato-caricatura do
nosso tempo. Com ele, João Aguiar abre uma nova frente no seu trabalho de
romancista e, renovando-se, confirma que é hoje um dos mais versáteis narradores
portugueses.
Sempre
gostei da escrita de João Aguiar. Gosto da maneira como ele transforma mitos e
histórias em algo muito presente em nós. É um grande contador de histórias e é
sem dúvida um autor a quem sabe sempre bem voltar.
Devido
a outras actividades “extra-curriculares” necessitei de ler este livro que
ainda não conhecia. Sempre ouvira falar da Encomendação
das Almas mas, sinceramente, nunca me tinha debruçado sobre o livro e a sua
temática. Foi uma surpresa.
A
história é contada de uma maneira que considerei bastante “doce”. É-nos
apresentado D. Gonçalo Nuno, um homem de idade, rico, dono de empresas, casas e
parente afastado de uns condes. Nem o dinheiro de D. Gonçalo o “safou” das
ideias da família: interná-lo num “asilo para velhos”.
Farto
da vida que levava, dos afectos comprados com dinheiro e da indiferença da
amantíssima esposa, D. Gonçalo decide partir de casa e refugiar-se na velha
casa de família em Poiais da Santa Cruz.
É
nesta pequena aldeia que conhecemos a segunda personagem, Zé da Pinta. O rapaz,
quase sempre chamado de “o apoucadinho”, é considerado um pouco parvo, lento
das ideias… idiota. No entanto, é uma personagem fascinante. Pouco fala mas,
segundo o autor, os seus olhos dizem muito. São capazes de calar uma multidão.
Zé
da Pinta foi recambiado pelos pais para casa de um tio em Poiais de Santa Cruz,
por estes já não saberem o que fazer com o rapaz. O tio aceitou de bom grado a
ajuda que Zé da Pinta podia dar na taberna e na mercearia e levou-o para casa.
Os dias do rapaz eram passados entre a taberna, a mercearia, a cama da tia e as
vezes que fugia para o campo para olhar o céu. Tinha um grande fascínio pelo
céu, principalmente por tempestades.
É
nesta aldeia isolada do mundo que as duas personagens se conhecem. D. Gonçalo
fugido dos filhos, Zé da Pinta numa busca incessante de algo que nem ele
próprio sabe. A diferença de idades, de estatuto social e de famílias não é
importante nesta relação. Apenas as ideias, as dúvidas, a aceitação de um pelo
outro.
E
aos poucos vão entrando num mundo só dos dois. Um mundo onde existem mouras
encantadas, lobisomens e almas que precisam de ser encaminhadas para o além. Com
isso esquecem o mundo lá fora, as brigas familiares, o dinheiro, as injustiças.
Mas o mundo lá fora não os quer esquecer. Os filhos de D. Gonçalo querem o que
é deles por direito, ou o que assim acham. O tio de Zé da Pinta pondera mandar
o rapaz para os pais depois de o mesmo dar nas vistas na aldeia. É necessário
que a amizade destes dois “fugitivos do mundo” seja forte o suficiente para
ultrapassar todos os problemas. E a resposta pode estar na biblioteca de D.
Gonçalo. No livro que explica como nascem os Seculares das Nuvens.
Tal
como referi acho a maneira como esta história é descrita muito doce. As ideias
de Zé da Pinta fazem-no um sonhador. O crescente interesse de D. Gonçalo pelos
mitos e pelo rapaz demonstram alguém que pode estar pela primeira vez a
estabelecer uma relação de carinho com alguém. São duas pessoas que fugiram da
aldeia global, dos shoppings e hipermercados. E que são perseguidos por eles e
que encontram na sua amizade a única maneira de sobreviverem íntegros às suas
ideias.
O
fim não era o que esperava, confesso. Mas mesmo sendo algo impensável consegue
mesmo assim ser doce, já que o mesmo representa a libertação das personagens e
termina como um conto de fadas cheio de possibilidades e sonhos.
Recomendo
o livro a quem gosta do autor, a quem não o conhece ou a todos os que se sintam
curiosos com o título. Um livro a manter debaixo da “asa”.
Nunca li nada do autor e confesso que lendo inicialmente a sua resenha não tive muita vontade de conhecer, não parece o tipo de leitura que me agrada.
ResponderEliminarGostei do blog e já estou seguindo.
Abraços
http://reaprendendoaartedaleitura.blogspot.com.br/
Obrigada pela visita Fernando. Há muitos bons livros de João Aguiar alguns sobre temas bem diferentes. Quem sabe encontra um que lhe agrade mais.
EliminarBeijos
Para mim, João Aguiar é sinónimo de épocas remotas, do tempo do Viriato, do tempo das crendices e dos povos celtiberos... não sei o que pensar de um João Aguiar a romancear o tempo presente. Ver para crer, mas lá que me deixaste curiosa....
ResponderEliminarBeijoca
Ruthia
Continua a mexer nos mitos e lendas neste livro mas de uma maneira mais realista, mais actualizada. É um livro diferente do que estamos habituadas mas acho que vais gostar.
ResponderEliminarUm beijo enorme
Alguem poderá me dizer como é o final deste livro ? fiquei bastante interessado
ResponderEliminarCaro Anónimo, obrigada pela visita. Como compreenderá não vou divulgar aqui qual o final do livro. No entanto recomendo que o leia. É um livro pequeno, de fácil e rápida leitura. E muito pertinente nos dias de hoje.
ResponderEliminarObrigada e cumprimentos
Andando cada vez mais cansado do exagero das redes sociais; do imediatismo da sociedade atual, em que o que importa é o que acontece hoje, e o da semana passada já não conta; da praga dos reality shows que, agora, até invade os canais de documentários; tenho-me interessado pelos tempos mais antigos, com as suas mitologias e lendas.
ResponderEliminarPois bem, ler este livro caiu que nem ginjas neste meu atual momento. Não é uma obra de qualidade literária por aí além, mas cativou-me pela temática e pelo facto de me ter identificado um pouco com a necessidade de fuga das personagens e com o o seu interesse num estilo de vida mais ligado à Natureza, aos seus mistérios e às explicações que os antigos davam para aquilo que não conseguiam explicar, dando origem às diversas mitologias e lendas.
Obrigada Diogo pela visita e pelo comentário.
EliminarQuando li também achei que o livro estava muito actual. Cada vez mais. A ideia de fuga das personagens também passa pela cabeça daqueles que como o Diogo refere estão cada vez mais fartos de um mundo demasiado rápido, demasiado fútil e sem alma.
Fico feliz por saber que gostou do livro.
Boas festas e volte sempre!