Ninguém
me há-de ver chorar, de Cristina Rivera Garza
«Estamos perante uma das obras de
ficção mais notáveis da literatura, não apenas mexicana, mas em língua
castelhana deste virar de século.» Carlos Fuentes
Partindo de factos reais, Cristina
Rivera Garza constrói uma novela inspiradora, numa viagem aos limites do desejo
e da loucura.
Estamos no ano de 1920 e Joaquín
Buitrago, cuja atormentada vida o levou a tornar-se fotógrafo de pacientes do
manicómio mexicano La Castañeda, encontra entre as mulheres que retrata Matilda
Burgos. Obcecado com a identidade desta doente, uma vez que está convencido de
que a conheceu anos antes no célebre bordel La Modernidad, trata de reunir
informações sobre ela. Tal como Joaquín vai descobrindo a pouco e pouco,
Matilda, que nasceu nos campos onde se cultivava a perfumada baunilha, chegou
de pequena à capital para cair nas mãos de um familiar que a usou para pôr em
prática uma singular teoria médico-social. A maré de recordações, a partir da
qual vai surgindo a turbulenta existência de Matilda, provoca também no
fotógrafo uma reflexão acerca da sua própria vida e da sua dependência dos
narcóticos.
«Joaquín
já não se pergunta o que procura em Matilda Burgos. Agora a única coisa que lhe
interessa saber com certeza é o que encontrou nela. As suas escassas horas de
sono são leves, gastas rapidamente, como se temesse estar a perder o tempo. Há
presteza nos movimentos do seu corpo, reflexos. Mal acorda, Joaquín estica o
braço para baixo do seu catre para pegar no caderno de grossas capas negras
onde noite após noite transcreve algumas sombras da vida de Matilda. A sua
afeção mental. A sua condição. São apontamentos escritos a toda a velocidade.
Gatafunhos sem pontuação, frases entrecortadas e fragmentos organizados sem
método algum que só ele será capaz de entender depois. Taquigrafia sentimental.
As notas devolvem-lhe a vida de manhã, certo sobressalto que julgava totalmente
perdido. Em 1908, quando Joaquín fotografou Matilda pela primeira vez, nunca
imaginou que algum dia a voltaria a ver; nunca imaginou que a vida de Matilda
chegaria a ser a chave da sua própria vida. (…) «O que nos aconteceu, Matilda?»
O manicómio está saturado de gritos e nenhum deles é a resposta desejada.»
(página 101)
Sem comentários:
Enviar um comentário