Morgana,
de Michel Rio
"Morgana
é o caos, diz Artur a Merlim. Um caos onde toda a finalidade falece, onde o
construtor meticuloso e obstinado, que recebeu por herança este cuidado
imperioso da finalidade, se perde com deleite. Morgana é a obsessão dos
sentidos que mata no pensamento a obsessão do projecto. É o presente absoluto
que rói o frágil futuro. O se espírito é uma devastação que quereria odiar,
adorando cada parcela da sua carne, o menor esboço do seu movimento que é como
uma dança infinita de graça e de morte. E, contudo, vejo bem que a sua carne
não é mais do que a matéria macia e singular do seu espírito, que os dois são
uma uma e a mesma coisa e que a sedução deste invólucro a que nada na natureza
pode comparar-se não é mais que o intérprete harmonioso duma sedução mil vezes
mais poderosa, nascida do fausto calculado duma inteligência sublime e
pervertida."
Morgana é o segundo livro de uma
trilogia iniciada por Merlim (opinião aqui).
Michel Rio com esta trilogia
mostra-nos a visão da mesma história aos olhos de cada personagem: Merlim,
Morgana e Artur.
Esperava que Morgana fosse contada
na primeira pessoa, um pouco como Merlim. Mas embora não o seja consegue
transmitir-nos a sua visão de Merlim, Artur, Camelot, Avalon,..
Contado desde o casamento da mãe,
Igerne, com Uter, o dia em que conhece Merlim e o reconhece como um pai
espiritual, vemos a forma como cresce e aprende com Merlim a sabedoria e a lei
das coisas.
Desde cedo Morgana se revolta com o
mundo que a rodeia visto que não compreende um mundo perecível, um mundo onde o
corpo humano descai para a morte, um mundo que será infindável e superior a ela
e, até, a Merlim e as suas ideias.
Com Merlim ficámos a conhecer uma
Morgana que envolve caos e dor, e que a tudo o custo tenta destruir Artur,
Camelot e as ideias de Merlim.
Mas neste livro descobrimos uma
Morgana que age com medo de um caos que fica depois da sua morte, que age pela
sabedoria e pela prova das suas ideias. Uma Morgana que por muito que lute
contra acaba por agir por amor… o sentimento que mais renega.
Morgana é-nos apresentada como uma
beleza capaz de derreter qualquer coração, com uns olhos verdes que enche de
desejo qualquer um que a veja. O que irá acontecer a Artur que inicia com a
meia-irmã uma relação de incesto que trará o nascimento de Mordred.
Mas para nós, leitores, Morgana é
uma inteligência rara. As suas discussões de filosofia, aos 12 anos, com Merlim
enchem páginas do livro. Discute átomos, heliocentrismo, Aristóteles e corpos
celestes.
E mesmo com todos os acontecimentos
em volta, com todo o caos provocado, simplesmente pelo seu medo de amar, não
conseguimos ter raiva da personagem. Apenas pena. Pena de alguém que só nos
últimos dias de vida percebeu o que era o amor e que não devia ter lutado
contra ele.
Um livro muito bom. Mesmo indo
contra as ideias de Avalon que aprendemos com Marion Zimmer Bradley. Um ponto
de vista que vale a pena ver. E embora seja de uma leitura mais difícil que
Merlim, acaba por ser mais interessante e recompensados. Ou talvez seja eu que
pense assim já que Morgana foi sempre a minha personagem preferida.
Chegaremos a Artur em breve para
terminar esta trilogia de Michel Rio.
Termino com as últimas frases do
livro que achei muito bonitas:
“A
ilha fortaleza fechada, escrínio poderosos cingindo o mausoléu onde repousavam
para sempre Artur e Morgana, lado a lado, enfim reunidos na paz após uma longa
paixão de amor e de ódio, era ela mesma um túmulo colossal onde estavam
enterrados Logres, a Távola Redonda e ele próprio, Merlim, mortos aqui e agora,
por obra da história e das coisas, antes de renascer algures e para sempre,
pela palavra e pela lenda.”
E assim renasceram…
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