Momo,
de Michael Ende
Momo é uma criança de cento e tal
anos que aparece um dia na cidade, junto ao anfiteatro. Uma criança abandonada
que tem, no entanto, algo especial: ela sabe ouvir. Simplesmente ouvir o que as
pessoas têm para falar.
Graças a esta particularidade Momo
reúne junto a si um número interminável de amigos, de todas as idades. As
crianças gostam da maneira como ela brinca com elas, e os adultos da maneira
como ouve. Quando falam com ela parece que as ideias fluem mais depressa e
conseguem encontrar logo solução para os seus problemas.
Mas um dia surgem problemas mais
sérios. Aparecem uns senhores cinzentos em quem ninguém repara. A cidade começa
a ficar escura. Perde a alegria à medida que os habitantes começam a trabalhar
cada vez mais, para poupar tempo, dizem.
Os amigos de Momo começam a não
aparecer. Têm mais coisas em que pensar. E um a um todos se vão embora e Momo
fica sozinha.
Até que conhece Cassiopeia, a
tartaruga, e através dela o Mestre Hora. Ele vai-lhe explicar o mistério do
Tempo. E ensina-lhe o mais importante: como derrotar os homens cinzentos.
Há muito tempo que um livro não me
deixava tão presa quanto este. A sensação de não querer largar o livro luta com
a vontade crescente de ver o fim. O livro é de 1973 mas a última edição
portuguesa, pela Presença, data de 2005. Desde então não saíram mais edições.
Posso adiantar que contactei inúmeros alfarrabistas e livrarias. Inclusive a
Presença. E ninguém consegue arranjar o livro.
Momo encanta-nos desde o início.
Quando menciona a sua idade depressa é explicado que Momo não sabe os números e
as letras. Mas mesmo essa explicação não retira a magia de Momo.
O livro está escrito de uma maneira
fascinante. Muito simples, bastante descritiva. Não admira por isso que seja um
livro juvenil. Mas, tal como o Principezinho, é um daqueles livros que só
enriquece quem o lê, seja adulto ou criança.
A cada página apaixonava-me por uma
frase, por um parágrafo, por uma ideia. Em cada personagem eu demorava a
leitura para perceber melhor as suas dúvidas, os seus anseios, as suas
alegrias. Sentimo-nos quase como Momo, a ouvi-los descrever os seus problemas.
Sentimo-nos novamente crianças num mundo que nos maravilha a cada instante.
Tudo corria bem até chegarem os
Senhores Cinzentos. Nos seus carros escuros, com as suas gabardines cinzentas,
os seus chapéus e os seus charutos. Convencem as pessoas de que ao trabalharem
mais poupam tempo. Que o tempo é precioso e não deve ser gasto. Que será um
investimento depositá-lo no Banco do Tempo. Sem se aperceberem, os habitantes
da cidade começam a trabalhar cada vez mais. Deixam de fazer as coisas que lhes
dão prazer para não gastarem tempo inútil. Sem perceberem que são manipulados.
Momo é a única que percebe o que se
está a passar. A única que consegue ouvir um homem cinzento e perceber que algo
está errado. Mas a partir desse momento Momo torna-se um alvo a abater. E por
isso tem de fugir.
O livro não é um conto de fadas nem
tem pretensões de o ser. Em cada palavra sobre o tempo revemo-nos e às nossas
acções. Vemos o tempo que desperdiçamos com coisas inúteis e que poderíamos ganhar
de outra forma. Embora os Senhores Cinzentos não sejam reais a verdade é que
hoje em dia todos dependemos deles.
A dada altura o autor diz que “Há
um grande segredo, que apesar de tudo é diário. Todas as pessoas participam
dele. A maior parte limita-se a aceitá-lo sem o questionar. Esse segredo é o
tempo. Há calendários e relógios para o medir, mas pouco significado têm, pois
todos sabem que uma única hora pode parecer uma eternidade ou então passar como
um instante – consoante aquilo que se vive nela. Porque o tempo é vida. E a
vida mora no coração.”
E são frases como esta que nos
fazem querer ler mais e mais. Que nos fazem querer conhecer Momo e os seus
amigos.
Vai ser o poder de Momo, a sua
simplicidade, e a sua forma de ver a vida, a derrotar os Senhores Cinzentos.
Porque só as crianças sabem que o tempo é maleável. Só elas mantêm a inocência
de saber brincar, de saber viver, de saber maravilhar-se com o mundo que os
rodeia.
Momo é um livro daqueles que aquece
o coração e a alma. É um livro que não nos abandona mesmo depois de fechado e
colocado na estante. É um livro a que agradeço ter aparecido na minha vida.
Posso dizer que fiquei mais rica depois de o ter lido.
Tenho esperanças que um dia a
Presença volte a reeditar o livro. Ou até mesmo outra editora que lhe pegue.
Posso dizer que seria uma história que gostaria de ler a um futuro filho.
Se o conseguirem arranjar, se
tiverem amigos que o tenham ou se anda esquecido numa qualquer prateleira,
repesquem-no. Levem-no novamente à luz e saboreiem as palavras de Michael Ende.
Por Momo… por vós…
“-
E quando o meu coração parar de bater? – perguntou Momo.
-
Então – retorquiu Mestre Hora – também o tempo parará para ti, criança. Poderia
também dizer-se que és tu própria que retrocedes através do tempo, através de
todos os teus dias, meses e anos. Passeias-te pela tua vida, até chegares ao
grande portão redondo de prata, através do qual entras. Aí, voltas a sair.(…)
-
És a morte?(…)
-
Se as pessoas soubessem o que é a morte, não mais a temeriam. E se não mais a
temessem nunca ninguém lhes poderia roubar o seu tempo de vida.”